Em um mundo onde a comunicação entre espécies parece impossível, A Lenda de Ochi surge como uma fábula contemporânea que aposta justamente no poder do entendimento. Produzido pelos Irmãos Russo e dirigido por Isaiah Saxon, o longa chega com ares de clássico moderno e é distribuído pela A24, aquele selo que já é sinônimo de ousadia, delicadeza e originalidade.
A história gira em torno de Helena Zengel, que interpreta uma jovem solitária vivendo em uma vila cercada por montanhas e lendas. Quando ela encontra um filhote ferido da misteriosa criatura conhecida como “Ochi”, sua vida e sua percepção sobre monstros muda completamente.
A jornada começa com um ato de desobediência: a menina foge de casa e se embrenha na floresta para proteger o filhote, que é alvo de caçadores humanos. Considerado perigoso, o Ochi é, na verdade, a chave para uma forma de comunicação ancestral, baseada em sons e gestos, que transcende a linguagem verbal.
E é nessa troca silenciosa e simbiótica que o filme brilha. A criatura ensina, a menina aprende e, juntos, eles constroem uma linguagem e um novo olhar sobre o mundo ao redor.
Visualmente, o longa remete às aventuras mágicas dos anos 80 e 90. Dá pra sentir ecos de A História Sem Fim, Princesa Mononoke e até de O Gigante de Ferro, com um toque moderno de CGI bem usado, delicado, etéreo e nunca excessivo. É o tipo de filme que aposta mais na emoção do que no espetáculo.
A trilha sonora acompanha o ritmo quase meditativo da narrativa, enquanto a fotografia, capturada nas montanhas da Romênia, transforma paisagens reais em cenários mitológicos. O resultado é uma imersão sensorial digna das melhores fantasias épicas.
Mas A Lenda de Ochi vai além da fantasia: fala sobre família, abandono, reconexão. A protagonista encontra a mãe que a deixou para trás e descobre que não foi uma mordida mágica que permitiu o diálogo com o Ochi, mas algo muito mais profundo: o conhecimento transmitido por quem cuidou dela, mesmo que agora esteja à distância.
Esse reencontro traz à tona questões emocionais fortes, como a busca por pertencimento e a necessidade de compreender nossas origens, sendo uma metáfora delicada, mas potente, sobre como traumas e vínculos moldam nossa capacidade de ouvir e de ser ouvido.
O elenco de apoio também merece destaque: Finn Wolfhard, Emily Watson e Willem Dafoe entregam performances sólidas, mesmo com pouco tempo de tela. Cada personagem contribui para a construção desse universo mágico, em que o diferente não é inimigo, mas um espelho.
Com mais de 700 cenas que utilizam efeitos visuais, o filme poderia facilmente se perder em exageros. Mas Saxon, em sua estreia como diretor de longas, mantém tudo equilibrado, priorizando a emoção e a intimidade entre seus personagens.
A Lenda de Ochi é uma fantasia épica com alma indie, que encanta sem precisar gritar. Um filme sobre escuta, empatia e reconciliação com os outros e com nós mesmos. Se você gosta de histórias com criaturas místicas, dilemas familiares e mensagens sutis que ficam reverberando depois dos créditos, prepare o coração. E talvez... um lencinho.
Nota: 6/10